* Compartilhamos a íntegra do artigo de autoria da presidenta Quelen da Silva, publicado hoje no Jornal VS.
A Fundação Hospital Centenário faz, hoje, dia 15 de fevereiro, 87 anos. Uma instituição que nasceu a partir de esforços coletivos e da comunidade na busca de recursos para sua construção. A palavra “Centenário” em seu nascimento deve-se aos 100 anos da Colonização Alemã. Passados dezenas de anos o que se espera de uma instituição é o seu fortalecimento e institucionalização de processos e fluxos de maneira a contemplar sua missão e objetivos. No entanto, ao analisar-se esse serviço de saúde, verifica-se algo próximo da Síndrome de Benjamin Button, personagem de um filme que nasce velho (Centenário), a cada minuto rejuvenesce – numa inversão do ciclo da vida –, terminando seus dias como bebê, perdendo funções e memórias; não ganhando em autonomia, mas dependências.
A crise do Hospital Centenário – que ganha concretude em uma dívida de R$ 40 milhões, com passivo de 1, 5milhão/mês, ameaçando diariamente a manutenção de suas atividades -,se expressa em distintas formas e âmbitos, que perpassam a assistência em saúde, gestão de trabalho, gestão hospitalar, gestão financeira e sua participação social. Analisar esses diferentes aspectos de sua crise, torna possível refletir e elaborar planejamento para o futuro dessa instituição.
A atual situação do Hospital Centenário é resultado de impasses, ao longo dos anos, entre repasses de recursos insuficientes para suas atividades (subfinanciamento da saúde) por ineficiência de algumas gestões (insuficiência de planejamento de médio e longo prazo, que pressupõem conhecimento das necessidades de saúde, com metas claras e precisas e perspectiva de alcance de qualidade). Lembremos que a Política Nacional de Atenção Hospitalar preconiza que o financiamento da assistência hospitalar é realizado de forma tripartite, pactuado entre as três esferas de gestão, considerando sua população de referência. Assim, causa estranhamento que um Hospital com a complexidade do Centenário, com habilitações em alta complexidade e características regionais, não tenha efetivado um Financiamento por Orçamentação com recursos suficientes para desenvolvimento das atividades em saúde; estranheza em relação às escolhas realizadas de gestão municipal e a falta de políticas de Estado que busquem equacionar e solucionar as desigualdades de financiamentos. O subfinanciamento da saúde não acontece por acaso, é realizado para diminuir, asfixiar, uma política pública, que compreende saúde como direito de todos. Para os analistas de políticas o não-fazer configura-se em política, são escolhas realizadas pelos governantes e tomadores de decisões.
A insuficiência de repasses estaduais e federais e cronogramas irregulares de repasses vem forçando os municípios a investirem cada vez mais em seus hospitais. Em São Leopoldo não é diferente, no ano de 2017, foram investido 40,90 %, na saúde e, infelizmente, isso não configura em qualidade da assistência em saúde. Nesse sentido, precisamos pensar, conjuntamente, no modelo (organização) de saúde que comporta nosso município.
Semana passada, o Ministro da Saúde afirmou que existe uma tendência mundial de diminuição de leitos, que esse seria o objetivo da política de saúde, a redução de leitos hospitalares. Ao verificarmos dados do DataSUS e do Atlas Socioeconômico do RS, percebemos um declínio do número de leitos no último governo, uma afinidade no planejamento desses âmbitos de gestão (Estadual e Federal). Porém, é salutar (desculpem-me o trocadilho) afirmar que a diminuição de leitos hospitalares apenas é possível em um cenário de fortalecimento de Atenção Básica, resolutiva e com qualidade (onde as pessoas saiam com a sensação que seus problemas foram resolvidos, ou minimamente acolhidos pelas equipes) e que os hospitais estejam integrados a uma Rede de Atenção em Saúde, para garantia do cuidado. Assim, uma política de fechamento de leitos, sem organização de uma Rede de Atenção em Saúde traz diretamente as pessoas mais dificuldades no acesso à saúde, mais filas, mais angústias, principalmente aqueles que dependem da saúde pública, o que atualmente vem crescendo bastante.
A situação de diminuição de leitos sem fortalecimento de uma Rede de Atenção em Saúde, tem como consequência superlotação nos hospitais, pacientes nos corredores, sofrimento dos trabalhadores, caos generalizados e reforça no imaginário da população que faltam hospitais para suas demandas e necessidades, ou seja, observa-se um ciclo vicioso. Nesse sentido, afirmamos, aqui, que somos contra os desmontes e descasos da saúde pública e, que buscamos diariamente, no âmbito da gestão municipal e hospitalar, a partir de ações no cotidiano, construir estratégias de ação e resistência que enfrentem essas situações. E aqueles a qual essa máxima – contra o desmonte e descaso da saúde – seja verdadeira, terão em nós, parceiros na luta pelo Hospital Centenário.
O Sistema Único de Saúde é uma política que traz em si expressa responsabilidades para os três entes federados (União, Estados e Municípios) com objetivo que se garanta a saúde como direito para todas e todos, cidadã e cidadão.Dessa forma, essa política deve ser desenvolvida, com diálogo, respeito e transparência, para efetivação de uma política que é estatal e não de governo.
É importante que compreendamos que o momento que vive o hospital centenário, na qual apresentam-se em risco o desenvolvimento de suas funções insere-se nessas relações apresentadas no texto, são elas que vão constrangendo sua autonomia institucional. Apenas será possível rever essa situação a partir de quatro pontos, que estão articulados entre si: 1) com reorganização dessa instituição, com revisão de seus processos administrativos, financeiros e gestão, 2) compromisso e valorização dos trabalhadores (importante referir, que essa instituição continua suas atividades, apesar de suas dificuldades, pelo compromisso da maioria dos trabalhadores, 3) financiamento adequado, 4) qualificação da assistência em saúde e do cuidado prestado e 5) participação social.
Por último, falemos da participação social, apenas a participação da sociedade e apropriação da política de saúde pelo cidadão comum, torna possível mudar a situação de saúde do Brasil e na cidade, compreender que o debate das políticas se traduz diariamente, no dia a dia, no preço do remédio, na falta de exames e de profissionais. Somente, com o cidadão comum buscando influenciar diretamente nos rumos das políticas, é possível que os recursos financeiros sejam colocados em lugares que conversam com nossas necessidades. É dessa forma, que o Hospital Centenário pode seguir vivendo, não mais como um bebê, altamente dependente, que ainda não expressa todas suas vontades e personalidade, submetendo-se de alguma forma aqueles que o “cuidam”.
A participação social permitirá ao Hospital Centenário, vida longa. Nesse sentido, esse momento exige de nós, diálogo na busca da soluções e estratégias. Aqueles que não compreenderem isso, que não realizarem a defesa desse serviço, darão concordância à diminuição de suas atividades, ou até mesmo, seu fechamento. Assim, para aqueles que defendem uma saúde pública e com qualidade, resta-nos, e não temos mais opções, construir que os 87 anos do Hospital Centenário seja a sua melhor idade! Uma melhor idade ao hospital significa, serviços realizados com qualidade, humanização, excelência, desenvolvendo, também, sua vocação para o ensino e pesquisa. Uma feliz idade ao Hospital Centenário! Uma feliz idade a todas e todos nós!